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Contam que,
em outros tempos, há milhares e milhares de anos, quando nada existia do que
hoje existe, viveu em certa cidade um rico fidalgo, o barão de Macário, tão
poderoso e opulento, quão orgulhoso e mau.
Uma tarde,
achava-se ele no seu escritório, contemplando avaramente a grande fortuna que
acumulara, roubando aos pobres, às viúvas e aos órfãos, emprestando dinheiro a
juros elevados, quando, de súbito, se sentiu tocado por um raio de bondade, até
então jamais experimentado pelo seu coração empedernido.
Lembrou-se
que já estava velho; e que, com aquela idade, nunca fizera o menor benefício a
pessoa alguma, sem ter dado jamais uma única esmola sequer. Arrependeu-se, então,
do seu passado.
Nessa mesma
tarde, Augusto, um infeliz sapateiro, seu vizinho, que vivia na maior pobreza,
carregado de filhos, veio bater à porta, suplicando que lhe emprestasse cem
mil-réis, para se ver livre de uma penhora, e poder comprar o material que precisava
para os trabalhos de sua profissão.
– Em vez de
cem-mil réis, dar-te-ei um conto de réis, Augusto; disse o barão, com a
condição, porém, que, se eu morrer primeiro, você irá vigiar meu túmulo, nas
três primeiras noites depois do meu enterro.
O sapateiro
prometeu, acossado como estava pela necessidade, e o fidalgo deu-lhe o conto de
réis.
Dois meses
depois, o barão de Macário morreu; e Augusto, lembrando-se de sua promessa,
como era homem de promessa, foi cumpri-la.
Duas noites
passou ele em claro, no cemitério da cidade, cheio de medo, mas sem que
ocorresse novidade alguma.
Na terceira
e última, dirigia-se para ir velar junto no túmulo, quando avistou um soldado
encostado a um mausoléu.
– Eh!
camarada! bradou. Que fazes aí? Não tens medo de estar no cemitério?
– Eu não
tenho medo de coisa alguma, respondeu o militar. Vim para aqui, porque não
tenho onde pousar esta noite.
Puseram-se
ambos a conversar, enquanto o sapateiro contava ao soldado por que motivo ali
se achava.
Passou-se o
tempo, sem que eles o sentissem, quando o relógio da torre da igreja bateu
compassadamente as doze badaladas fúnebres da hora terrível da meia-noite!...
Então, nesse
momento, próximo deles surgiu de súbito, sem que soubessem de onde vinha, um
homem vestido de vermelho, com os olhos chispando fogo, e cheirando fortemente
a enxofre.
Era o diabo,
que lhes ordenou:
– Retirem-se
daqui, rapazes! a alma deste homem, que foi um grande usurário na terra,
pertence-me, e eu vim buscá-la.
– Senhor
vestido de vermelho, disse o soldado, o senhor não é meu superior, nem mesmo um
oficial. Não posso, pois, obedecer-lhe; e, assim, digo-lhe que se retire daqui,
pois aqui chegamos primeiro.
O diabo,
vendo aquele militar destemido, não quis puxar barulho, e lembrou-se de
comprá-lo, perguntando-lhe quanto queria para se ir embora.
– Aceito o
negócio que me propõe, sr. Satanás. Basta que me dê o dinheiro em ouro, que uma
das minhas botas puder conter.
O diabo
saiu, e foi pedir emprestado a um judeu seu amigo, que morava naquela mesma
cidade.
Enquanto não
vinha, o soldado puxando o rifle, cortou a sola do pé direito, e colocou-a por
cima de um túmulo aberto.
Quando
Satanás chegou, vergado ao peso de um saco de ouro, esvaziou-a, peça por peça,
dentro da bota. O dinheiro caía todo na sepultura.
– Olé! disse
o capataz do Inferno, esta bota parece-me mágica!
– Vá buscar
mais ... mandou o soldado.
Mais de dez
sacos foram assim trazidos pelo diabo. As moedas escorregavam pelo cano da
bota, e iam cair no túmulo, de modo que a bota jamais se enchia. Satanás, desesperado,
ia trazendo saco por saco. Na ocasião em que carregava o décimo saco, cheio de
moedas de ouro, eis que amanheceu de repente. O galo cantou; o sol rompeu; e o
sino da igreja bateu alegremente, chamando para a missa.
Satanás deu
um berro e desapareceu...
Estava salva
a alma do barão de Macário...
O soldado e
o sapateiro Augusto repartiram entre si a grande fortuna que o diabo deixara na
cova; e foram viver ricos e felizes, empregando uma boa parte do dinheiro em
dar esmolas aos pobres.
HISTÓRIAS DA
AVOZINHA - Figueiredo Pimentel.
Domínio
Público.
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